Há cerca de 20 anos que constatei que
precisava de uma atividade física regular, com o propósito mesmo e, tão
somente, de manter a respiração e a circulação em condições razoáveis de
funcionamento. Depois de muitas idas e vindas de uma irregular regularidade na
atividade, de práticas diversas... corrida, natação, judô, jiu-jitsu... tenho
conseguido manter, ainda de forma não tão regular quanto o pretendido, a rotina
de correr, de 2 a 3 vezes por semana.
Correndo consigo não só a manutenção
de um condicionamento físico mínimo, mas também, por mais que possa parecer
estranho, refletir sobre as coisas da vida. Avalio decisões, rotinas,
situações, experiências. Elaboro estratégias e até mesmo reviso algum conteúdo
acadêmico necessário para cumprir as diversas etapas que se apresentam
sucessivamente. Mas, impossível concentrar a corrida somente na introspecção e
reflexão pessoal, afinal, o faço pelas ruas e se não ficar atento, posso ser
vitimado por algum elemento do ambiente.
Correndo na praia consegui me esquivar
de crianças brincando na areia – as crianças conseguem a façanha de, na beira
da praia, levantarem-se de repente e saírem correndo, normalmente na direção oposta
à que olham. Correm olhando para trás o que faz com que avancem sem ver para onde
vão. Um perigo. Correndo na praia pude manter o condicionamento e o preparo
necessário para o trabalho o que, muitas vezes precisei.
No asfalto as situações são curiosas também.
Já quase fui atropelado, já esbarrei em pessoas quase as derrubando. Fui atacado por um cachorro e quase fui
assaltado. Escapei porque quando abordado pelo provável assaltante que saiu de
um terreno baldio, do meio da escuridão e gritou apontando uma arma: "Bora! É um
assalto!" Continuei correndo, ouvi o sujeito falar: “Corra não Galado!” Segui
correndo e esperei o tiro que, para minha sorte não veio. O motivo, a inspiração, para estas linhas,
contudo, não foi o hábito de correr. Foi algo que vi enquanto corria.
Há cerca de um mês enquanto cumpria
o meu percurso rotineiro, vi uma jovem mulher grafitando um pedaço de muro.
Pedaço de muro porque é isso mesmo que ele é. Um pedaço de muro, em um canto de
terreno às margens da BR, não sei se 304 ou 101, pois fica em uma das curvas do
complexo de viadutos e retornos que dão acesso à Parnamirim, ponto de encontro
das duas Rodovias. Pois bem, lá estava uma jovem, magrinha, grafitando o pedaço
de muro. A ilustração, bem feita e bastante adiantada já é a meu ver digna de
registro e pode suscitar debates que vão além do esperado pela artista, eu
imagino.
Fiquei com a ideia de voltar depois
ali para fotografar o grafite quando estivesse terminado e sem demora, pois imaginei,
que mesmo em local isolado e de pouca visibilidade (quem vê o muro e nota
detalhadamente o grafite é que passa a pé ou de bicicleta pelo local) alguém poderia intervir e apagar ou "rasurar" o grafite. Acontece
que o tempo passou e eu me esqueci de fazer o registro até que ontem, quando
corria no fim da tarde, percebi que o grafite já havia sido depredado. Achei
curiosa a intervenção do vândalo que se limitou a depredar, a “apagar” o que
julgou obsceno sem, no entanto, conseguir ocultar a mensagem ali desenhada.
A artista desenhou um claro, pelo menos para mim, “manifesto feminista” contemporâneo e conectado com o estilo de vários outros grafites que tem pela cidade . O que me
levou a pensar: E se fosse feito um grafite com a mesma situação sendo que com
um homem? Seria visto como um manifesto à masculinidade? Ou seria percebido
como algo de gosto duvidoso, ou um manifesto ao machismo? As palavras por si só
já remetem a significados estranhos. Machismo antagoniza o Feminismo? É então o
feminismo violento? Enfim. Fica a imagem aí para quem quiser ver, conhecer,
opinar, xingar, criticar... está em um muro, pouco notado. Estou ajudando a
artista a ter visibilidade (se não a quisesse não faria sua intervenção em via
pública).
Rodrigo Maribondo